A insustentabilidade da dívida das empresas de transportes públicos - Frederico Pinheiro

18-12-2011 19:19

Os encargos com juros da dívida já representam 76% dos prejuízos das empresas de transportes públicos. Devido ao aumento destes encargos, foram despedidos 37% dos trabalhadores nos últimos 10 anos. Será legítimo despedir e cortar nos serviços prestados à população para garantir as taxas de rentabilidade das instituições financeiras?

As empresas de transportes públicos têm sido fortemente atacadas nos últimos anos. Todas as críticas visam justificar as reformas efectuadas de acordo com a teoria económica mainstream.

Essas críticas baseiam-se em dois argumentos centrais:

  1. o principal problema das empresas de transportes públicos é a sua fraca performance operacional
  2. Há excesso de trabalhadores

Contudo, analisadas as contas (Relatórios e Contas) das principais empresas (Carris, STCP, Refer, CP, Metro de Lisboa, Metro do Porto e Transtejo / Soflusa), vemos que estes argumentos são falsos, como irei demonstrar.

Despesas com juros representam 76% dos prejuízos

As reformas postas em prática no sector dos transportes assentam, em grande parte, no argumento da ineficiência operacional das empresas públicas. «Há sobreposições na oferta», «há autocarros / metros a mais» ou «os preços são demasiado baixos» são alguns dos chavões utilizados pelos responsáveis das reformas nos sectores.

Esta visão nublada do problema dá origem a políticas de aumento dos preços acima da inflação (em 2011 os preços subiram duas vezes, 4,5% e 15%) e a fortes reduções no serviço prestado. Ideias defendidas nos últimos 25 anos pelos decisores políticos.

A visão não podia estar mais errada. O principal problema das empresas é financeiro. Entre escolher resolver este ou o problema operacional, os decisores tentam melhorar o segundo. Decisões sem resultados, mas com forte enraizamento na ideologia vigente. Senão, vejamos:

Entre 2005 e 2010, a dívida das empresas de transportes públicos cresceu de 4.770,2 milhões de euros – custo de um aeroporto –, de 14.131,8 milhões de euros para 18.902 milhões de euros.

(Gráfico 1)

 

Este aumento é constituído maioritariamente (60%) por encargos financeiros, isto é, pagamento de juros. O sistema pode ser descrito desta forma: há uma dívida sobre a qual se paga juros, mas para se pagarem esses juros temos que pedir mais dinheiro emprestado (sobre o qual se pagam juros).

(Gráfico 2)

E por quanto mais tempo esta situação se arrasta, maior são os encargos com juros da dívida: por um lado, quanto maior é a dívida, maior é o montante sobre o qual incide a taxa de juro e, por outro lado, quanto maior a dívida, maior é o risco para os credores, logo, a taxa de juro sobe. É o chamado efeito bola-de-neve.

(Gráfico 3)

Assim, com o passar dos anos é cada vez maior a destruição provocada pelo pagamento de juros aos credores. O pagamento de juros não vai parar de crescer.

No final do mandato do actual Governo, em 2015, se nada for feito, apenas os encargos com juros irão acrescentar mais 4 mil milhões de euros à dívida do sector até 2015 (tendo em conta uma taxa de juro média de 5%, a actual).

Em 2010, as empresas de transportes públicos pagaram 712,1 milhões de euros apenas em juros. Este dado demonstra que o resultado operacional teria de ser positivo neste mesmo montante para as empresas registarem lucros. Isto é algo que nunca aconteceu em Portugal, nem em nenhum país. Nunca.

O próximo gráfico ilustra bem o que deve ser atacado para melhorar a saúde financeira das empresas de transportes públicos.

(Gráfico 4)

E este ano a percentagem será ainda maior. E nos próximos anos não irá parar de crescer, em valor, e em percentagem dos prejuízos.

Vemos assim que a principal causa dos prejuízos das empresas de transportes públicos são os encargos com juros, o pagamento de rendimentos aos detentores do capital. Esta estratégia provoca uma degradação galopante e cada vez mais forte do serviço público prestado. Cortam-se linhas – 1.500 km de ferrovia irão desaparecer quando 2011 acabar, desde 1988 - e sobem-se os preços, limitando cada vez mais o acesso à população. Por exemplo, a CP perdeu 103 milhões de passageiros anuais desde 1988 até 2011, de 231 milhões de passageiros para 128 milhões.

Redução de 37% dos trabalhadores em 10 anos

A redução do serviço prestado está igualmente relacionada com o despedimento de trabalhadores, pois quanto menos trabalho, menores as necessidades de trabalhadores nas empresas. O facto de as empresas de transportes públicos registarem prejuízos é também utilizado como argumento para justificar a redução do número de trabalhadores, com os decisores a defenderem, ao longo dos anos, que as empresas públicas do sector têm ‘colaboradores’ a mais.

Como demonstrei atrás, três quartos dos prejuízos devem-se ao pagamento de juros. Não ao número de trabalhadores.

Mas a estratégia seguida é inequívoca: os documentos estratégicos do Estado e das empresas enaltecem as estratégias de redução de efectivos, por um lado, e a diminuição da massa salarial, por outro.

«O vector dominante da viabilidade económica-financeira da EMEF assenta principalmente no ajustamento dos recursos humanos (…) tarefa que constitui um objectivo desta administração ao longo dos últimos anos» - Plano de Actividades 2011-2015 da EMEF, empresa da CP, detida a 100% pelo Estado.

Esta passagem é bem exemplificativa da cegueira que afecta os decisores públicos e políticos. É esta falta de visão que tem provocado sucessivos despedimentos no sector dos transportes. A análise das contas das empresas demonstra que o número de trabalhadores caiu 37% nos últimos dez anos, nas sete empresas analisadas. Isto é, 8.410 pessoas ficaram sem trabalho. Os dados de 2011 são estimativas das empresas.

(Gráfico 5)

 

Esta estratégia está condenada ao fracasso. Por tudo o que foi já referido, mas também porque as empresas já pagam mais de encargos financeiros do que em salários, incluindo remunerações com a Segurança Social: 425,1 milhões de euros em salários contra 712,1 milhões de euros em juros.

(Gráfico 6)

Ou seja, podiam ser despedidos todos os trabalhadores que as empresas continuariam a registar prejuízos, devido à elevada factura com o pagamento de juros.

Contudo, a redução de trabalhadores é um traço comum na estratégia seguida nas empresas de transportes públicos. E vai continuar nos próximos anos, pois todas têm já planos para reduzir trabalhadores em 2012 e algumas para efectuar despedimentos em 2013…

Conclusão

A despesa com juros tem contribuído de forma significativa para o aumento da dívida das empresas de transportes públicos. É uma factura apresentada aos cidadãos, a quem exigem agora sacrifícios para garantir a rentabilidade às instituições financeiras. À medida que os anos passam, os encargos financeiros vão subindo de forma galopante. E este é um dado alarmante, porque ao aumento desta factura corresponde a destruição dos serviços prestados, a limitação do acesso da população a estes e o despedimento massivo de trabalhadores.

Estas medidas levam, por sua vez, à perda de passageiros, de escala nas empresas, logo, à queda das receitas e ao aumento das dificuldades. A estas responde-se com a mesma estratégia, sucessivamente. É a lógica da austeridade aplicada ao sector dos transportes.

Será esta dívida legítima e sustentável, se para ser paga são despedidos milhares de trabalhadores e se destrói o serviço à população?    

Frederico Pinheiro, membro da direcção da ATTAC Portugal

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