‘Estamos no fim de uma onda e no início de uma nova’ – Marica Frangakis

02-05-2012 14:18

Marica Frangakis, Economista da ATTAC Grécia, do Insituto Nicos Poulantzas e do EuroMemorandum

Breve contexto da configuração política grega

Desde que a Grécia obteve a sua independência, em meados do século XIX, o seu sistema político esteve sempre intimamente ligado aos poderes hegemónicos. Depois da sua ligação às potências europeias, tornou-se, em meados do século XX, mais próximo dos EUA. Com uma breve excepção, durante a Segunda Guerra Mundial e com os movimentos de resistência, o sistema político grego foi sempre controlado pelos conservadores, tendo existido mais que um regime autoritário, o último entre 1967 e 1974, com a junta militar. 

Após a deposição da junta, a ascenção do PASOK ao poder, um partido político que se auto-denomina ‘movimento socialista pan-helénico’, marcou um ponto de viragem na política grega. Introduziu alguns elementos do estado social – até então praticamente inexistente – e aumentou os salários mínimos e pensões. Tal foi socialmente positivo, mas as alterações foram efectuadas através do aumento do endividamento público e provocou uma inflação elevada. O défice fiscal grego e a sua dívida têm, de facto, origem nessa altura. 

Aos poucos, o PASOK foi controlado pelas forças conservadoras e tradicionais, enquanto a sua corrente socialista se tornou populista. Esta transformação completou-se nos anos 90, quando as elites gregas definiram a adesão ao Euro como objectivo estratégico. As políticas neoliberais prosseguiram com poucas, se algumas, diferenças entre os dois grandes partidos a alternar no Governo, o PASOK e a Nova Democracia (conservadores). Desde a queda da junta militar em 1974, o PASOK governou durante mais de 20 anos e a Nova Democracia durante aproximadamente 15 anos.

A história da esquerda grega começa em 1918, com a fundação do Partido Comunista Grego. Trata-se de uma história cheia de cisões. Apesar disso, a convergência da esquerda resultou, quase sempre, em resultados positivos.

Uma grande divisão ocorreu em 1968, quando uma corrente euro-comunista formou o Partido Comunista da Grécia Interior. Após a queda da junta militar, nas eleições de 1974, o Partido Comunista Grego convergiu com a nova força política sob o nome de Esquerda Unida. Obteve 9,36% dos votos. Em 1988 o PCG, juntamente com a Esquerda Grega (o antigo PCGI) e outras forças de esquerda formaram a Coligação de Esquerda e Progresso (Synaspismos). Nas eleições de Junho de Junho de 1989 obteve 13,1%. Em 1991, o PCG saiu formando uma força política separada do Synaspismos, agora uma aliança mais abrangente de partidos de esquerda, conhecida como Coligação da Esquerda Radical (SYRIZA). Em 2010, a facção social-democratica abandonou o SYRIZA para constituir um novo partido, a Esquerda Democrática.  

Nas últimas eleições, em Outubro de 2009, o Partido Comunista Grego obteve 5,4% dos votos e elegueu 21 deputados de um total de 300. O SYRIZA, por outro lado, obteve 4,6% e 13 deputados, dos quais 3 juntaram-se ao novo partido da facção social-democrata. A Nova Democracia obteve 33,48% e 91 deputados, enquanto o LAOS, um partido de extrema-direita, registou 5,63% e 15 deputados. As eleições foram ganhas pelo PASOK, qua obteve 43,92% e 160 deputados. Esta configuração política veio a alterar-se significativamente com a crise, resultando numa anomalia parlamentar e democrática singular.

Após um ano de duras medidas de austeridade, a convulsão social disparou, enquanto a confiança no Governo grego tombou aceleradamente. Em Junho de 2011 o PASOK efectuou uma pequena remodelação governamental com o objective acalmar os protestos. Mais tarde, em Novembro de 2011, o Governo demitiu-se, tendo sido apontado um interino, apoiado por três partidos, a Nova Democracia, o PASOK e o LAOS. Um ex-vice presidente do Banco Central Europeu, Loukas Papadimos, assumiu o lugar de primeiro-ministro. A tarefa do segundo Governo era concluir o acordo para o segundo resgate, submetido ao parlamento a 12 de Fevereiro e aprovado por 199 votos em 300, menos 67 do que o total de deputados eleitos pelos três partidos em 2009, pois um grande número de deputados dos dois maiores partidos votou contra, abandonando, desta forma, as forças políticas. Como resultado, hoje não há maioria parlamentar. É neste contexto que se vão realizar as eleições em Maio de 2012.

Qual a tua opinião sobre a mobilização social grega? Qual o estado das redes de solidariedade? Estão a resistir ou a quebrar enquanto o capitalismo de desastre se aprofunda?

O sinal positivo da crise actual foi a criação de redes solidárias que representam uma quebra com o tipo individualista de organização social promovida pelo neoliberalismo nos últimos 25 anos. Essas redes têm, como objectivo, ajudar as pessoas a lidarem com a queda do nível de vida e cobrir necessidades sociais básicas. Este espírito de comunidade contribui para a crescente resistência social contra as medidas de austeridade impostas pela chamada “assistência financeira” do FMI e da UE. Ao mesmo tempo que a crise se aprofunda, a necessidade de tais redes aumenta e mais pessoas aderem. Ao mesmo tempo, a raiva dá lugar a uma resistência mais organizada.

As eleições constituem uma oportunidade real para alterar as relações de poder?

A configuração política já foi radicalmente alterada devido à crise, tal como referi. Para além disso, as sondagens demonstram uma redução drástica na influência dos dois grandes partidos – PASOK e Nova Democracia – e a ascenção da esquerda, bem como da extrema direita. Os dois grandes partidos dominavam 80% dos votos e, agora, a sua influência parece ter caído para menos de metade (35%, aproximadamente). Os três partidos de esquerda (Partido Comunista, SYRIZA e Esquerda Democrática) estão a ganhar influência, atingindo já cerca de 35% das preferências eleitorais. Há também um novo partido conservador (Gregos Independentes), que. apesar de tudo. se posiciona contra as medidas de austeridade do resgate financeiro. Tal está a atrair muitos eleitores conservadores: as sondagens atribuem-lhe 10% dos votos. Por fim, a extrema direita é representada pelo LAOS e por um partido de tipo fascista que sobe rapidamente (Hrisi Aygi, alvorada dourada), recebendo igualmente 10% das intenções de voto.

Qual será a estratégia da esquerda parlamentar nas próximas eleições? Na tua opinião, o que deveria ser feito para desafiar as actuais estruturas?

A esquerda grega está fragmentada e, apesar dos sucessivos apelos lançados pelo SYRIZA aos outros dois partidos para colaborarem, parece não existir nenhuma perspectiva de coloaboração pré- ou pós-eleitoral. Pelo contrário, o Partido Comunista alega ser o único representante da esquerda grega, ao passo que a Esquerda Democrática é vista por muitos como uma versão melhorada do PASOK. Caso a esquerda grega encontre o caminho para trabalhar em conjunto, poderá ser um verdadeiro desafio às actuais estruturas de poder.

O que acontecerá caso a coligação PASOK-Nova Democracia não obtenha a maioria? O que acontecerá se não a atingir?

Dois novos partidos, que parecem estar a atrair um grande apoio eleitoral, vão participar nas próximas eleições: Os Gregos Independentes e a Esquerda Democrática. Caso a coligação PASOK-Nova Democracia não consiga a maioria parlamentar, um dos cenários possíveis seria a coligação alargar para incluir um desses dois partidos. Se o fizerem, o líder da Nova Democracia, que deverá obter um resultado melhor do que o do PASOK, será o novo líder governamental e o actual ministro das Finanças, líder do PASOK, será o vice-presidente.

Que cenários prospectivos existem para o sistema politico grego? Transformou-se em algo diferente de uma democracia de mercado?

O sistema politico grego é híbrido, no qual as instituição de mercado coexistem com as características tradicionais de um tipo de capitalismo que cresceu a partir de uma economia agrária terciarizada, com a indústria a ter um papel limitado, especialmente desde a desindustrialização dos anos 80. Tais formas incluem, por exemplo, um complexo sistema fiscal, uma grande economia paralela, fraude fiscal disseminada, etc. O sistema eleitoral é maioritário, favorecendo, de forma brutal, o partido vencedor. Além disso, o Governo controla os dois Supremos Tribunais de Justiça, nomeando os seus presidentes. Não há nenhum tribunal constitucional, apesar de poder ser formada em ocasiões especiais (quando os dois Supremos estão em desacordo). A convergência política entre os dois partidos que alternam no poder desde 1974 significou a fragilização dos equilíbrios institucionais.

Que lições devem os países sobre resgate tirar da actual situação e das próximas eleições?

Organização, planeamento estratégico e construção de alianças sociais e políticas são os eixos fundamentais para lidar com a crise enfrentada na Grécia e em outros países europeus. Devemos concentrar-nos na organização da resistência, na construção de um quadro analítico que nos prepare para os acontecimentos futuros e para a formulação de uma contra-estratégia e na capacidade para construir alianças. São pré-requisitos de uma nova era direccionada para o progresso social, político e económico. Estamos no fim de um ciclo longo, iniciado nos anos 70 e na antecâmara de um novo ciclo, cujo início ainda vai demorar algum tempo.

Entrevista e revisão da tradução de Luís Bernardo (ATTAC Portugal). Tradução de Frederico Pinheiro (ATTAC Portugal)

 

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