O ensaio sobre a cegueira nos transportes - Sérgio Manso Pinheiro

14-12-2013 17:31

Se, por absurdo, não nos pudéssemos deslocar para o trabalho, todos perderíamos o emprego e o país deixaria, em absoluto, de produzir.

Se, por absurdo, não fossem criadas condições para o transporte de pessoas e mercadorias, todas as lojas deixariam de ter bens e produtos para vender e todos deixaríamos de poder comprar o que quer que fosse.

Se, por absurdo, todos deixassem de poder trabalhar, todas as empresas deixassem de poder produzir, todo o comércio deixasse de ter o que quer que fosse para vender e quem quer que fosse para comprar, todos os serviços de saúde, ensino, justiça, fornecimento de energia, água ou comunicações deixassem de poder ser prestados porque ninguém se pudesse deslocar, esse país acabaria mais rapidamente e pior do que a cidade do «ensaio sobre a cegueira» de Saramago.

Por mais absurdo que possa parecer, nos 3 últimos anos, a política de transportes em Portugal parece empenhada neste caminho. Aumentos brutais dos preços e a redução dos serviços conseguiu que, em 2012, a CP (Comboios de Portugal) perdesse 14,3 milhões de passageiros e o transporte nacional rodoviário tivesse menos 17%, a CARRIS menos 50.5 milhões e a STCP menos 14 milhões de passageiros.

“O transporte de passageiros nos modos fluvial, ferroviário pesado e em metropolitano permaneceu no 4º trimestre 2012 abaixo do registado no mesmo período de 2011 (-11,5%, -12,2% e -12,6%, respetivamente), em linha com a tendência verificada nos trimestres anteriores.” (INE). Nos metropolitanos de Lisboa e Porto viajaram neste período 51,8 milhões, o que representa menos 7,5 milhões de passageiros que em igual período do ano anterior.

A comparação homóloga, entre o 1º semestre de 2012 e 2013, no conjunto dos operadores de transportes da área Metropolitana de Lisboa indica um decréscimo de 12%

A partir de 2012, o Governo alterou os quadros do Orçamento de Estado, pelo não é possível a quem o consulta saber quais os investimentos em mobilidade e transportes. No entanto, os resultados são dramaticamente os que se conhecem, que os acima apenas ilustram.

A palavra “TRANSPORTES” no orçamento aparece para redefinir os termos da utilização dos transportes pelos trabalhadores das respectivas empresas, reforçar o sistema de fiscalização e punição dos utilizadores sem título de transporte e para, num ponto próprio (n.º 2 do artigo 59) “devem prosseguir a redução dos seus [empresas do setor público empresarial na área dos transportes terrestres e fluviais e gestão da infraestrutura ferroviária] quadros de pessoal”. No actual orçamento são as prioridades identificáveis.

Para o Governo, a palavra “MOBILIDADE” só faz sentido na perspectiva da mobilidade laboral, entendida como entre serviços da Administração e despedimento.

Para que o absurdo não se concretize, é absolutamente urgente inverter a política de mobilidade e transportes praticada nos últimos anos e que a presente proposta de Orçamento de Estado pretende continuar.

Sérgio Manso Pinheiro, membro da direção da ATTAC Portugal

Voltar