Greve estudantil no Quebeque - A luta continua

10-08-2012 16:39

No Quebeque a primavera ficou marcada por uma greve estudantil que foi falada fora no estrangeiro. Num país habitualmente tranquilo, próspero, onde se privilegia o consenso, raramente houve uma tal agitação. Provocados por um grande aumento das propinas, os estudantes dirigiram o debate para um patamar mais alto: a mercantilização da educação, que a desvia dos seus objetivos essenciais.

A greve tomou as dimensões conhecidas na sequência da clara recusa de negociação com os estudantes por parte do partido no poder, os liberais, e do primeiro-ministro Jean Charest. Esta atitude tem origem numa arregimentação ideológica: segundo eles, os estudantes devem pagar os estudos; devem transformar-se em consumidores de disciplinas e programas, cujos preços são determinados pelo mercado. Mais precisamente, no caso do Quebeque, os custos de escolaridade dever-se-iam aproximar da média canadiana. Para os liberais está fora de questão rever este princípio elementar, ao qual os estudantes de opõem radicalmente.

Por outro lado, Jean Charest e outros liberais não conseguiram esconder o seu desprezo: desprezo pelos jovens, pela democracia estudantil, desprezo por estes miúdos mimados que não percebem nada de economia e que se recusam a pagar «a sua parte». A isto os estudantes responderam vivamente: o acesso à educação é simultaneamente um direito e uma necessidade. Está fora de questão torná-lo no privilégio de uma elite abastada.

A atitude do governo desencadeou desde o início uma forte oposição essencialmente pacífica. Três manifestações juntaram mais de 200 000 pessoas em março, abril e maio (o que é muito, tendo em conta a população do Quebeque e a sua baixa densidade). No entanto, perante a hostil recusa de negociação, a tensão subiu. Dois conflitos surgiram no local onde se encontrava, ou deveria encontrar-se, o primeiro-ministro.

As intervenções policiais mais brutais aconteceram sobretudo nas escolas: os estudantes grevistas bloqueavam o acesso a outros que, graças a injunções obtidas em tribunal, tinham visto reconhecido o seu «direito à educação», ou seja, de assistir às aulas, em detrimento das decisões tomadas democraticamente. A polícia foi assim atiçada contra os estudantes grevistas e os professores que os apoiavam, para proceder a cargas violentas, detenções, sequestros.

Para contrariar a «violência e a intimidação» por si provocadas, o governo adotou uma lei especial que aliviou a indignação. Esta lei, mal concebida e de difícil interpretação, viola a liberdade de expressão e de associação e foi denunciada por diversos juristas. Acima de tudo, esta lei desencadeou um movimento de protesto de todos os cidadãos, que espontaneamente desceram à rua aos milhares a bater em caçarolas, todas as noites durante cerca de duas semanas, em Montréal e diversas outras cidades do Quebeque.

 

Eleições longamente aguardadas

As férias de verão tiveram o efeito de umas tréguas no conflito. Apesar disso, os estudantes conseguiram juntar novamente dezenas de milhar de pessoas numa grande manifestação em pleno mês de julho, a meio das férias.

Os liberais decidiram, por seu lado, provocar eleições, que estão agora marcadas para 4 de setembro (no Quebeque as eleições não têm lugar numa data fixa, são marcadas pelo partido no poder). A questão da educação será fulcral, e o voto poderá assemelhar-se a um referendo, tal é a importância da aprovação ou não dos eleitores relativamente à atitude do governo perante os estudantes. O apoio significativo que os estudantes obtiveram em numerosas manifestações pode ser um indício de que o governo está prestes a perder. Mas as coisas são bastante mais complicadas.

Antes da greve estudantil, o partido liberal e o seu dirigente tinham uma muito baixa popularidade. Além de outros motivos, Charest estava marcado por diversos escândalos: financiamento duvidoso, favoritismo, ligações com a máfia. Muitos consideravam este governo cansado, corrupto, ao serviço da indústria e dos magnatas da finança, muito distante das preocupações da população.

Apesar de tudo, Jean Charest procura apresentar-se como o único capaz de reprimir os estudantes e restabelecer a ordem e a segurança; ainda que seja o primeiro responsável pelo caos! Ele crê poder assim obter os votos da «maioria silenciosa», assustada perante os excessos e as cenas de brutalidade que os grandes meios de comunicação não pararam de difundir. Esta concentração da atenção sobre a greve estudantil teve também a grande vantagem de desviar os olhares dos embaraçosos casos de corrupção.

O principal partido da oposição é independentista. Ora, existe uma franja importante de eleitores afastada sem reservas do partido liberal, mas que nunca votará num partido independentista: a grande maioria dos anglófonos e dos imigrantes, assim como o meio dos negócios.

A batalha eleitoral adivinha-se muito feroz. Os estudantes têm a intenção de se envolver ativamente na campanha, mas o seu peso demográfico continua pouco relevante. Podemos no entanto contar com eles para quebrar a rotina da campanha eleitoral e trazer a lume a questão ideológica, que frequentemente se procura evitar.

Um início de temporada movimentado

Ninguém consegue antever o que acontecerá no início da temporada previsto para meados de agosto. Levarão os estudantes a cabo ações aparatosas, apesar da lei especial? Ou estarão envolvidos sobretudo na campanha eleitoral, procurando influenciar o resultado?

Uma coisa é certa, a recusa de chegar a uma solução negociada por parte do governo liberal tornará o ano escolar doloroso e caótico. O início do ano lectivo levanta várias inquietações. A greve foi longa e as disciplinas a repor são muitas. As instituições de ensino deverão condensar três semestres em dois, o que deixa antever numerosos problemas: dificuldade em conciliar os horários, esgotamento dos professores e dos estudantes, cadeiras muito densas, períodos de correção muito restritos para os professores. Acima de tudo, as disciplinas mais aceleradas e muito concentradas serão exigentes para os alunos mais fracos, que terão maior dificuldade em perseverar nos estudos.

No entanto, a greve tem também muitos efeitos positivos. No Quebeque nunca antes se tinha debatido tão abertamente a educação e o tipo de sociedade em que gostaríamos de viver. As políticas neoliberais foram sistematicamente denunciadas. Os estudantes, que considerávamos individualistas e despolitizados, defenderam com garra os princípios de equidade e justiça social.

Esta geração ficará marcada pela difícil luta que trava: a greve levantou múltiplos debates e sensibilizou as pessoas para os problemas contemporâneos da sociedade. Muitos jovens, vítimas da violência policial e testemunhas das manobras cínicas do governo, desenvolveram um sentido crítico face ao poder político que não perderão facilmente.

O resultado das eleições será particularmente aguardado. Uma derrota dos liberais será a prova de que podemos vencer o cinismo e a manipulação e de que as ideias audaciosas, tão bem defendidas pelos estudantes, podem chegar a uma população inicialmente marcada pela propaganda transmitida pelos grandes meios de comunicação, pouco sensíveis à causa daqueles.

Por Catherine e Claude Vaillancourt, ATTAC Québec

Tradução de Helena Romão, para a ATTAC Portugal

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