Debater a Banca, Combater um Espírito Pouco Santo - Intervenção inicial

08-09-2014 21:50

Intervenção inicial de Henrique Sousa, Presidente da Assembleia Geral da ATTAC Portugal, no Debate «a Banca, Combater um Espírito Pouco Santo» realizado no auditório da Casa da Imprensa, no passado dia 6 de Agosto.

Este é o primeiro de um conjunto de vídeos com intervenções dos diversos participantes convidados feitas no debate

  

 

 

Intervenção em  nome da ATTAC de abertura e apresentação da iniciativa

Em nome da ATTAC, obrigado pela vossa presença nestes dias de Agosto tradicionalmente vocacionados para férias e descanso dos trabalhos de todo o ano. E obrigado, em primeiro lugar, aos que aceitaram o nosso convite para participarem como conferencistas neste debate que nos propomos hoje fazer sobre o sistema financeiro  - a Eugénia Pires, o João Galamba e o Nuno Teles -, economistas qualificados e também activos participantes, de vários modos e por diferentes caminhos, na crítica do sistema financeiro vigente e da austeridade que sufoca o nosso país e no combate por uma outra economia com mais futuro. Obrigado igualmente à Ana Sá Lopes, jornalista e directora-adjunta do jornal i, por ter aceitado o nosso convite para a moderação deste debate.

O que levou a ATTAC Portugal a convocar este debate público, com carácter de urgência e em muito poucos dias?

Certamente uma das causas é a extrema gravidade da crise do sistema financeiro, posta a nu pela escandalosa implosão do Banco Espírito Santo e do grupo económico que lhe estava ligado, a qual destapou para já uma parte do lixo, das irregularidades, dos crimes e dos pecados velhos de uma finança que tomou o freio nos dentes. E que o poder político e económico têm protegido e alimentado com recursos públicos conseguidos à custa do empobrecimento do país e de mais austeridade sobre as pessoas – as ajudas à Banca portuguesa, com o valor do resgate agora anunciado ao BES, já vão em cerca de 13% do PIB – enquanto tentam manter debaixo do tapete das aparências os vícios incontroláveis de uma banca e de um sistema financeiro insaciáveis.

Mas a outra causa que nos moveu a assumir o risco de propor uma iniciativa pública nestes dias de Agosto em que é menor a disponibilidade das pessoas para a actividade cívica e o debate público, chama-se insubmissão e indignação. Indignação pela narrativa dominante que sobre a crise, a austeridade e, agora, sobre os bancos e sobre as malfeitorias do BES, nos anda a ser impingida pelos comentadores situacionistas de serviço e pelos  governantes. Indignação por nos quererem fazer crer que tudo o que está a acontecer, um buraco negro de que não conhecemos sequer ainda o fundo e que vai produzir ondas de choque na economia, no trabalho, nas pessoas, no Estado, que tudo isto é apenas o pecado de um malfeitor ou de um grupo de malfeitores e que o sistema, se bem governado e supervisionada, está bem e recomenda-se. Ou seja, com um ou mais bodes expiatórios julgados na praça pública, tudo voltará depois ao normal, a ordem económica será restabelecida e podemos todos ir para casa e dormir sossegados.

Já conhecemos esta conversa desde a crise financeira mundial iniciada nos Estados Unidos em 2007 e depois convertida numa grave crise económica. O resultado não foi, ao contrário dos discursos da época, o saneamento do sistema financeiro, uma forte regulação e o seu controlo pelo poder político. Os mercados financeiros e os seus agentes aí estão, em Portugal e por todo o lado, a comandar e controlar o poder político e a mandar mais do que o voto dos cidadãos.

Em resumo: o capitalismo da industrialização do pós-guerra, das democracias liberais, do compromisso para um Estado Social e de uma banca associada ao investimento na economia real, foi há muito superado por um capitalismo comandado pelo capital financeiro desregulado, liberalizado e sem barreiras, aspirando a submeter a economia real, o poder político, as sociedades e as pessoas à gula insaciável da acumulação fundada na especulação, no lucro fácil e de curto prazo, nos esquemas de Ponzi que são o equivalente sofisticado da receita da D. Branca.

É por isso, e para concluir, que decidimos convocar este debate e que desejamos que ele ajude a abrir caminho no espaço público a um debate muito mais alargado sobre o sistema financeiro. Em que ganhe voz o pensamento crítico e as visões alternativas, e em que ganhe força neste domínio uma maior mobilização cidadã, dos movimentos sociais, dos sindicatos, das forças políticas que não aceitam a narrativa ultraliberal da austeridade. Um debate e uma mobilização que não se contentem com a exigência necessária do completo, pronto e transparente esclarecimento, julgamento e punição das irregularidades, dos crimes e dos responsáveis. Um debate e uma mobilização que sejam capazes de ir mais longe na exigência de políticas públicas, de medidas escrutinadas e efectivas que garantam a completa separação do poder político e do poder económico e financeiro, que garantam o controlo público do sistema financeiro e a sua subordinação ao poder político e aos interesses da economia e do país.

De facto, lembrando Marx e o seu manifesto comunista, anda um espectro pela Europa e pelo mundo. Esse espectro que nos assombra as vidas não é hoje o comunismo que a grande burguesia da sua época temia, mas este sistema financeiro, “os mercados”, como referem os seus arautos de modo reverencial, que representa os interesses e a riqueza dos 1% que querem comandar as vidas de todos nós, os 99% que têm direito a uma vida decente, a um trabalho decente e a uma sociedade decente.

Justifica-se, pois que hoje, neste debate, discutamos certamente o BES e tudo o que o seu buraco negro significa, mas que tentemos também ir mais longe, como propusemos no título da iniciativa – Debater a Banca, Combater um Espírito Pouco Santo – e como questionámos no texto de apresentação deste colóquio publicado na Internet: como é possível o controlo democrático deste sistema financeiro e a sua conformação com os interesses do País, com a democracia e com a construção de uma sociedade decente? É possível fazê-lo mantendo a fera à solta ou tem que ser enjaulada pelo Estado? É ou não necessário, depois de tantos escândalos provarem a falácia da superioridade da gestão privada, estabelecer o controlo e a propriedade público como dominante no sistema financeiro?

Renovando os nossos agradecimentos a todos e aos participantes na mesa do nosso debate, fica o apelo a uma reflexão viva e partilhada sobre este tema.

Henrique Sousa (ATTAC Portugal)

 

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