A quadratura do círculo por Seguro: da “alternativa responsável” à “salvação nacional”, apenas um passo - Henrique Sousa

14-10-2012 19:56

Ontem, no mesmo dia em que eram divulgadas as medidas aprovadas pelo Governo para acelerar o empobrecimento e a caminhada para o abismo social, o secretário-geral do PS divulgou no Público a sua “alternativa responsável”.

Não podia ter escolhido melhor momento nem revelado mais apurado sentido de oportunidade. Já nos tinha brindado no 5 de Outubro com o rasgo inspirador da sua proposta para a regeneração da democracia política que seria (pasme-se) a redução do número de deputados. Isto enquanto no mesmo dia muitos camaradas seus, com muitos outros cidadãos das várias sensibilidades das esquerdas, debatiam no Congresso Democrático das Alternativas, como mudar de rumo, contrariar o desastre nacional que a governação comandada pela troika está a significar e procuravam construir denominadores comuns para alternativas verdadeiras.

Agora, lembrou-se de tirar da cartola uma série de medidas avulsas e convertê-las na “alternativa responsável”. Cometendo a proeza de não falar uma única vez no memorando da troika que o PS subscreveu. Fugindo assim como o diabo da cruz de o questionar. A treta da “abstenção violenta” continua.

 Ou seja, para Seguro, o documento que comanda a política de desastre nacional do actual governo pelos vistos está bem e recomenda-se, apesar de as suas cinco revisões o terem agravado e piorado ainda mais relativamente à desastrosa e inaceitável versão original.

As receitas do memorando falharam, como todos os resultados económicos e sociais confirmam, incluindo o agravamento da dívida em nome da qual nos apertam dolorosamente o cinto. Não falharam apenas, como também vai insinuando Seguro nos seus discursos, pela incompetência governativa ou pelo tempo para a sua aplicação, fugindo a enfrentar o inevitável – a ruptura com o memorando como base para uma alternativa autêntica. O próprio FMI, um dos credores e negociadores do memorando, depois de anos a infligir sofrimento e privações a muitos milhões de humanos em nome dos dogmas que agora questiona, veio há dias reconhecer em estudo publicado da sua autoria que se enganara nas previsões e que afinal a austeridade a todo o custo que inspira o memorando não funciona.

Claro que Seguro também propõe medidas recomendáveis. Como a mobilização dos fundos não aproveitados do QREN para a dinamização da economia. Ou a reposição do IVA reduzido na restauração.

Só não esclarece como é possível defender um catálogo de medidas avulsas sem uma alternativa global, ou seja, mantendo o mesmo garrote do memorando troikista que está a desgraçar o país e a democracia. Ou seja, como é possível embrulhar um conjunto desgarrado de medidas e chamar alternativa responsável à coisa, sem mexer no fundo da questão.

Seguro parece querer alcançar a quadratura do círculo. Quer agradar a gregos e a troianos. Quer estar no arco da governação segundo a cartilha do memorando e quer ser oposição “responsável”. De facto, faz uma escolha. Quem não recorda a sua “abstenção violenta” que pôs o governo a tremer de medo e o país a torcer-se de riso na aprovação do último orçamento com esta nova versão do “agarrem-me, se não eu bato-lhe” ?

Seguro não quer assumir que em primeiro lugar é preciso recuperar a soberania política e constituir um governo que seja representante dos devedores, ou seja, do País, e não um capataz dos credores, para poder negociar com estes e não submeter-se a eles. E que isso não se resolve com apelos patéticos a que este governo governe (não faz outra coisa, contra tudo e contra quase todos) ou proclamando que eleições, antes de mais alguns anos de sofrimento, nunca, jamais, em tempo algum.

Seguro não quer assumir a renegociação da dívida com os credores. Ou seja, a denúncia de um contrato político, o memorando, que falhou completamente, como condição decisiva para uma mudança de rumo que evite a queda no abismo e a ruptura social e política para a qual o país e a democracia caminham, nas palavras bem mais lúcidas do artigo que o economista João Ferreira do Amaral divulgou na mesma página do artigo de Seguro no Público. Afinal, a denúncia do memorando, ou seja, a renegociação da dívida com os credores, a proposta aprovada no Congresso Democrático das Alternativas (ver a Declaração aí aprovada).

Sim, os socialistas são precisos na convergência de forças capazes de produzir uma alternativa de governação com futuro, que interrompa esta caminhada para o abismo. Mas alternativas implicam escolhas e não um pé em cada lado. O “nim” de Seguro não é alternativa. É um beco sem saída.

O “nim” estridente de Seguro abre caminho ao comprometimento, mais uma vez, do PS em novas soluções que não são de salvação do país, mas dos grandes interesses. É o caso do governo dito de “salvação nacional”, defendido por Mário Soares, por Pacheco Pereira e outros, em convergência com a direita dos interesses e as elites que nos têm (des)governado, que andam à procura do seu Monti. Que agitam, como sempre, o medo dos mercados e já buscam aí a bóia salvadora com que querem renovar a ilusão e dar um novo fôlego ao caminho da austeridade e ao memorando da troika rejeitado na rua.

Querem assim fugir ao risco do julgamento e da condenação democráticos dos cidadãos e às eleições antecipadas. Sem as quais não há legitimação democrática para uma governação dotada do necessário apoio social e político e capaz de enfrentar a situação de emergência democrática, económica e social em que as políticas ultraliberais e o naufrágio da União Europeia e do euro mergulharam Portugal. Governação certamente cheia de incertezas e dificuldades e que não significará pão e rosas. Mas que permitisse aos trabalhadores e a todos os portugueses enfrentar as dificuldades de cabeça levantada e não de espinha quebrada.

Henrique Sousa, membro da ATTAC Portugal

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