Médicos Sem Fronteiras: Como a Taxa Sobre as Transacções Financeiras pode ajudar na Saúde Mundial

FUTUROS REAIS: CINCO VIDAS

"5 Vidas" conta-nos as histórias de pessoas com quem os Médicos Sem Fronteiras trabalham todos os dias. A sua saúde e as suas vidas dependem, muitas vezes, de uma simples intervenção médica.

Estas experiências pessoais são um retrato do sofrimento desnecessário que os Médicos Sem Fronteiras (MSF) testemunham todos os dias em locais onde as pessoas não têm acesso a cuidados médicos adequados, o que poderia ser evitado através de financiamento e investimento apropriado e sustentável.

Somos médicos e enfermeiros e não banqueiros mas conseguimos ver que o investimento em futuros reais – como os futuros das pessoas aqui apresentadas – transformará as vidas dos que a doença tornou mais vulneráveis e criará uma base sólida para as suas famílias e comunidades.

É por isso que os MSF apoiam pedidos para que uma parte pequena mas permanente de uma nova Taxa Sobre Transações Financeiras (TTF), proposta por alguns governos, seja direcionada para atender às necessidades de saúde globais.

Um influxo regular de financiamento ajudaria a resolver crises de saúde por todo o mundo.

Estes relatos de indivíduos que beneficiaram de uma intervenção médica podem ser apenas uma gota no oceano, mas o que tiramos das suas histórias é a possibilidade de um impacto espantoso se as intervenções que lhes salvaram a vida estivessem disponíveis a uma escala mais ampla.

Uma alocação de proventos do ITF para a saúde mundial poderia ajudar a tornar esta possibilidade real.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

1.ª VIDA

ALEXI

PREVENIR A TEMPO A SUBNUTRIÇÃO INFANTIL

Todos os anos, Natacha, uma mãe solteira do Burkina Faso, luta para sustentar os filhos durante os tempos precários entre colheitas, quando a comida é pouca e as crianças ficam particularmente vulneráveis à subnutrição.

A subnutrição contribui anualmente para a morte de mais de 500 000 crianças abaixo dos cinco anos de idade. Há muito tempo que se utilizam alimentos prontos a consumir para salvar a vida de crianças que sofrem de subnutrição. Sabemos agora que providenciar suplementos alimentares que satisfaçam as necessidades nutricionais de crianças em risco previne consequências irreversíveis para o seu crescimento e desenvolvimento e impede que sofram de uma subnutrição que poderá custar-lhes a vida.

Este tipo de intervenção poderia ajudar Natacha numa proteção a longo-prazo do seu filho Alexi e aos seus irmãos.

Comer papas de painço todos os dias é o equivalente a viver a pão e água.”

Alexi já sofria de subnutrição antes de completar um ano de idade. Vive com a mãe Natacha e os dois irmãos numa pequena aldeia no norte do Burkina Faso. Natacha planta painço para a família. Mas os grãos que colhe duram apenas para quatro meses e passam fome o resto do ano. Os mercados estão pejados mas Natacha não tem dinheiro para comprar a comida que quer.

Prefiro peixe porque tem muitas vitaminas mas não tenho dinheiro para isso.”

Alexi está na idade mais vulnerável à subnutrição — entre os seis e os vinte e quatro meses — e a sua dieta não lhe fornecia os nutrientes essenciais de que necessita para crescer, ser saudável e resistir a infeções.

Comer papas de painço todos os dias é o equivalente a viver a pão e água," adverte a assessora de nutrição dos MSF, Susan Shepherd.

Preocupada com o filho, Natacha levou-o ao hospital dos MSF.

Quando aqui cheguei, pegaram nele em braços. Disseram-me que estava doente.”

Sem tratamento, o estado de Alexi colocá-lo-ia, muito provavelmente, em perigo de vida.

Forneceram-lhe como tratamento saquetas de pasta de amendoim com leite em pó, açúcar e óleo, enriquecida com vitaminas e nutrientes essenciais. Este alimento pronto a consumir não precisa de ser preparado ou refrigerado e pode ser dado a crianças pelos próprios pais em casa. Alexi respondeu bem ao tratamento: ganhou peso de forma constante e, após apenas algumas semanas, estava fora de perigo.

Alexi recebeu uma alimentação terapêutica pronta a consumir, desenvolvida para tratar crianças que já sofrem de subnutrição a um nível perigoso. Mas se a sua mãe, Natacha, tivesse tido acesso aos chamados suplementos alimentares que contêm nutrientes suficientes para uma criança em desenvolvimento, Alexi podia nunca ter adoecido com subnutrição grave. A sua vida e a de muitas outras crianças que vivem em contextos de crises humanitárias semelhantes poderiam ser protegidas desta forma. Mas, hoje, a falta de financiamento significa que os alimentos necessários para atacar a subnutrição são geralmente racionados para atender apenas aos casos mais graves.

[caixa 1]

O custo de lutar contra a subnutrição infantil aguda

  • 27 euros são o suficiente para comprar 150 saquetas de suplementos alimentares prontos a consumir, utilizados em programas nutricionais para prevenir a subnutrição.

  • Estima-se que pouco mais de quatro milhões e meio de euros por ano chegam para cobrir os custos de fornecer alimentos terapêuticos e suplementares prontos a consumir suficientes para combater a subnutrição infantil em todo o mundo.

[caixa 2]

Em 2010, os MSF trataram de mais de 300 000 crianças com subnutrição grave e distribuíram a última geração de suplementos alimentares melhorados a mais de 150 000 crianças em 28 países.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------


2.ª VIDA

CARMEN

VIVER UMA VIDA SAUDÁVEL COM TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL

Carmen tem 32 anos. Vive em Tete, uma cidade nas margens do rio Zambeze no norte de Moçambique, com o seu marido Victorino e os seus dois filhos.

Descobriu que era seropositiva em 2007 e começou o tratamento antirretroviral em 2009. Hoje, vive ainda uma vida saudável. Cuida da família e frequenta o ensino noturno para ter mais habilitações.

Hoje em dia, mais de seis milhões de pessoas com VIH estão vivas porque recebem tratamento antirretroviral crucial para a sua sobrevivência. Contudo, perto de nove milhões continuam à espera destes medicamentos e morrerão sem eles nos próximos anos. Alargar o tratamento a mais pessoas não se limita a salvar vidas; também reduz drasticamente o risco de novas contaminações e é um modo de parar a propagação da pandemia da SIDA.

Com financiamento para a expansão do tratamento, muitas outras pessoas como Carmen, em Moçambique, poderiam ter futuros reais para fazerem planos com a sua família e nas suas comunidades. Poderíamos encontrar a luz ao fundo do túnel do VIH/SIDA.

O meu conselho a pessoas que vivem com VIH é que não tenham medo. Não significa o fim da vossa vida.”

Chorei quando voltei do hospital no dia em que descobri que era seropositiva e não sabia o que havia de fazer. Foi a minha irmã que me incentivou a seguir as ordens do médico. Estou feliz por tê-lo feito porque, sem os medicamentos, é provável que já tivesse morrido.

Agora tomo os comprimidos duas vezes ao dia, às sete da manhã e às sete da noite. Comecei logo a sentir-me melhor.

Antes, o meu marido chegava do trabalho e encontrava-me na cama, e por isso cozinhava por mim, lavava-me a roupa e os pratos. Os medicamentos mudaram a minha vida. Agora consigo cozinhar sozinha, lavar e até tenho um pequeno negócio aqui na minha casa: vendo biscoitos, doces, sabonete, detergente, sal, lenha e carvão. A minha filha também tem sido um grande apoio – mais como uma grande amiga.

À noite, frequento a escola noturna e gostava de me candidatar à universidade. Também queremos construir uma casa num terreno que temos perto do rio. Esta casa será um escudo para os nossos sonhos, onde podemos ter um quintal.

O meu conselho a pessoas que vivem com VIH é que não tenham medo. Não significa o fim da vossa vida. Sigam as instruções do médico, vão às sessões de aconselhamento e tomem os medicamentos. Há tanta coisa para viver.”

[caixa 1]

Os MSF começaram a disponibilizar tratamento antirretroviral a pessoas com VIH/SIDA no ano 2000 e hoje em dia disponibilizam tratamento a 170 000 pessoas em 19 países.

[caixa 2]

O custo de salvar mais vidas e de ajudar a prevenir a transmissão:

  • Os medicamentos para tratar uma pessoa com VIH durante um ano custam cerca de 115 euros.

  • A ONUSIDA calcula que a expansão em massa e imediata do tratamento pode evitar sete milhões de mortes e mais de doze milhões de novas infeções. Para tal, seriam necessários quase cinco milhões de euros por ano.

  • A escassez de financiamento: Os financiadores estão a recuar drasticamente nos donativos para a luta contra o VIH/SIDA a nível mundial. O financiador principal de programas de combate ao VIH, o Fundo Global de Luta Contra a Sida, a Tuberculose e o Paludismo teve de, pela primeira vez nos seus dez anos de história, saltar um ano na aprovação de novas propostas por falta de financiamento. Precisa de cerca de 3,5 mil milhões de euros durante os próximos dois anos para financiar novas propostas, mas dispõe apenas de cerca de 625 milhões.

 

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

3.ª VIDA

PHUMEZA

ACEDER MAIS CEDO A TRATAMENTO EFICAZ CONTRA A TUBERCULOSE

Aos 21 anos, Phumeza deveria ter toda a sua vida pela frente. De momento, está confinada a uma cama num centro de tratamento de tuberculose (TB) em Khayelitsha, perto da Cidade do Cabo (África do Sul), a receber tratamento para a forma mais virulenta de tuberculose que se conhece – super-resistente ou XDR-TB.

No ano passado, pela primeira vez em dez anos, o número de pessoas que sucumbiram à tuberculose no mundo diminuiu mas, mesmo assim, todos os anos o diagnóstico e tratamento de três milhões de casos é insuficiente. Metade destas pessoas acaba por morrer por falta de tratamento. Muitas das pessoas afetadas por esta doença curável perdem-se nos meandros do sistema pois, até recentemente, os testes que confirmam a tuberculose têm sido extremamente inadequados.

Hoje, um novo teste que usa tecnologia molecular abre caminho para que o tratamento chegue mais cedo a quem dele precisa. É apenas um começo. Mesmo assim, muitos dos pacientes vão continuar à espera de um diagnóstico para terem acesso ao tratamento de que necessitam. Mas começaram a dar-se os primeiros passos para melhorar o diagnóstico da tuberculose.

Fizeram-me tantos exames mas continuavam sem saber o que se passava. Continuei a piorar.”

Phumeza não sabe como contraiu tuberculose mas pensa que pode ter sido num autocarro sobrelotado ou na escola. Apenas sabe que se sentia mal e ninguém lhe sabia dizer o que se passava. Assim começou um longo e doloroso percurso de maus diagnósticos e períodos de espera enquanto a sua saúde continuava a deteriorar-se.

Ao princípio deram-me aspirinas e paracetamol,” diz Phumeza.

Não viram tuberculose nos exames de expetoração. Fizeram-me tantos exames mas continuavam sem saber o que se passava! Continuei a piorar.”

Por fim, passados dois meses, o hospital diagnosticou-lhe tuberculose multirresistente, mas, nesta altura, já se encontrava tão doente que teve de abandonar os estudos.

Às vezes não sabia se estava a morrer ou a melhorar,” relata Phumeza da sua experiência.

Esta espera agonizante poderia ter sido mais breve se quem tratou de Phumeza tivesse tido acesso a uma nova máquina de diagnóstico digital que, desde então, já chegou às clínicas de Khayelitsha. O aparelho pode diagnosticar a tuberculose multirresistente em apenas duas horas. Os métodos de diagnóstico menos recentes demoram até quatro meses para confirmar o diagnóstico e, por essa altura, já muitos pacientes morreram à espera de diagnóstico.

Este novo teste abre-nos imensas possibilidades,” conta o médico assistente dos MSF, o Dr. Ian Proudfoot, que trabalha na clínica Ubuntu em Khayelitsha, local onde o novo teste está a ser testado. “É exatamente o oposto da sensação de impotência que sentimos quando... vemos um paciente morrer à nossa frente sem haver nada que possamos fazer porque ainda não temos o diagnóstico.”

Phumeza tem agora, por fim, o tratamento de que precisa. Mas sente-se reconfortada por o teste vir a poupar a outros na sua situação uma agonizante espera, pois faculta resultados mais rápidos e fiáveis.

Não culpo os médicos por não terem conseguido um diagnóstico mais cedo. O exame de expetoração não lhes deu o resultado certo. Mas este novo teste vai salvar vidas.”

[caixa 1]

Em 2010, os MSF trataram perto de 30 000 pessoas com tuberculose. Este número inclui 1000 pessoas com tuberculose multirresistente em 15 países.

[caixa 2]

O custo do diagnóstico e tratamento vital da tuberculose:

  • Um kit do teste novo custa, no máximo, 13 euros e cada máquina custa 13 000 euros em países ditos desenvolvidos. Continuam a ser preços muito elevados para países em desenvolvimento e devem envidar-se esforços para a sua redução bem como para a produção de um teste que seja igualmente eficiente mas mais acessível.

  • O tratamento da tuberculose multirresistente custa perto de 7000 euros, quase 475 vezes mais do que o tratamento para a tuberculose normal.

  • A escassez de financiamento: A OMS calcula que, em 2012, haverá uma quebra de 1,14 mil milhões de euros para a prevenção, teste e tratamento adequado da tuberculose. São precisos 762 milhões de euros para investigação e desenvolvimento de melhores ferramentas, incluindo o desenvolvimento de um exame domiciliário mais rápido e económico, e de medicamentos novos e mais eficientes.

 

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

4.ª Vida

CATHERINE

PREVENIR A TRANSMISSÃO DO VÍRUS DO VIH/SIDA DE MÃE PARA FILHO

Catherine Atieno é seropositiva e mãe de quatro crianças. Vive em Kibera, uma favela em Nairobi, nos arredores da capital queniana, onde trabalha na clínica dos Médicos Sem Fronteiras.

A sua filha, Joanne, nasceu com o vírus do VIH/SIDA antes de Catherine saber que era seropositiva. Lucky Grace, a filha mais nova, não é portadora do vírus, uma vez que nasceu após Catherine começar o seu tratamento antirretroviral.

Nove em cada dez dos dois milhões e meio de crianças portadoras do vírus do VIH/SIDA contraíram-no durante a gravidez, parto ou período de amamentação. No entanto, estes contágios são totalmente evitáveis se a mãe estiver em tratamento para o VIH e o bebé receber cuidados profiláticos, tanto à nascença como na altura da amamentação. Nos países mais ricos, o risco de transmissão foi reduzido para 2% e, por isso, os casos de SIDA infantil foram praticamente erradicados. O aumento dos programas de Prevenção da Transmissão Vertical (PTV), ou seja, de mãe para filho, poderia assegurar que muitas outras mulheres, como Catherine Atieno, do Quénia, protegessem as suas famílias contra o VIH/SIDA.

"A Lucky nasceu sem o vírus porque eu já tinha conhecimento do meu estado de saúde e recebi a assistência necessária por parte da clínica"

A Lucky é uma rapariga saudável. Quando estava grávida, o médico disse-me que talvez houvesse a hipótese de eu morrer ou de a bebé nascer seropositiva. Contudo, nasceu normal - daí ter-lhe dado o nome de Lucky (sortuda)."

Catherine descobriu que estava grávida do seu quarto filho pouco depois de começar o tratamento antirretroviral. Receou que pudesse contagiar o bebé. Três anos antes, a sua filha mais velha, Joanne, nascera seropositiva pois Catherine ainda não sabia que era portadora do vírus.

Ela confessou os seus receios a um amigo que trabalhava numa das clínicas dos MSF, em Kibera. Como resultado, inscreveu-se no programa de Prevenção da Transmissão Vertical (PTV) na clínica.

Catherine já estava a tomar medicamentos antirretrovirais por causa do vírus do VIH/SIDA e, durante o parto, a criança recebeu, também, a medicação.

Lucky nasceu sem o vírus do SIDA porque eu já tinha conhecimento do meu estado de saúde e recebi a assistência médica necessária por parte da clínica. O meu sonho realizou-se.”

A família é muito unida. Lucky é uma fonte constante de alegria. Catherine é, também, muito protetora e carinhosa com a sua filha mais velha, Joanne, que contraiu o vírus do VIH antes de Catherine saber que era seropositiva e poder receber a assistência médica para atenuar o risco de transmissão do mesmo. Tem grandes expectativas para todos os seus filhos e para um futuro em conjunto.

Agora, posso afirmar que estou a mudar a minha vida. Estou mesmo a empenhar-me, a tentar criar uma empresa e ganhei algum dinheiro que me ajuda a pagar a escola das crianças.”

[caixa 1]

Os MSF fornecem serviços de PTV em todos os seus programas de VIH, em 19 países. Em Khayelitsha, África do Sul, os MSF e o governo sul-africano contribuíram para a redução em 250% da transmissão do VIH, atingindo um patamar similar ao dos países desenvolvidos.

[caixa 2]

O custo de auxiliar a prevenção de transmissão do vírus do VIH para recém-nascidos e crianças:

  • Os medicamentos de saúde da mulher grávida custam aproximadamente 115 euros por ano, apesar de o custo poder ser menor no caso de esta só necessitar de uma prevenção mais curta. Fornecer o medicamento antirretroviral profilático para a criança, durante um ano, custa cerca de 30 euros.

  • Com acesso a medicamentos antirretrovirais e assistência médica adequada mais de 98% de mulheres grávidas não transmitem o vírus aos filhos.

  • Perto de 370 000 crianças foram recentemente infetadas com o vírus do VIH em 2009, na sua maioria por transmissão vertical. Provavelmente metade delas irá morrer antes de completar os dois anos de idade, por falta de medicação para combater o vírus.

 

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

5.ª Vida

ACABAR COM OS SURTOS MORTAIS DE SARAMPO

No início deste ano, ao lidarem com uma epidemia explosiva de sarampo na República Democrática do Congo, a Dr.ª Northan Hortado e os seus colegas participaram num programa de intervenção de emergência e vacinaram três milhões de crianças.

A falta de apoios para programas básicos de imunização significa que as equipas dos MSF assistem a cada vez mais surtos de sarampo que ceifam, desnecessariamente, a vida de crianças.

Têm sido grandes os progressos para livrar o mundo do sarampo - uma das maiores causas de morte em crianças, que custava cerca de meio milhão de vidas por ano.

Após o começo de uma iniciativa global, em 2001, o número de crianças vítimas de problemas relacionados com o sarampo diminuiu em 78%. Recentemente, todavia, os financiadores cortaram os donativos aos esforços para a imunização contra o sarampo. Esta tendência ameaça inverter os progressos conseguidos.

"O problema é que o combate ao sarampo já não é visto como uma prioridade política."

A epidemia começou a surgir de forma dispersa,” afirma Northan Hurtado, uma médica que trabalha para os MSF em Katanga, uma província da República Democrática do Congo.

Ao início, as áreas rurais foram as mais afetadas. Depois, as ocorrências começaram a aumentar nas áreas urbanas.”

A Dr.ª Hurtado testemunhou a epidemia do sarampo desde o início. O vírus ganhou terreno rapidamente, disseminando-se primeiro no distrito de Likasi, onde 31 crianças morreram, alcançando depois a capital de província, Lubumbashi, onde 791 crianças adoeceram. O surto seguiu então para o norte do país.

Está a alastrar-se como fogo,” relatou o chefe da missão dos MSF, Gael Hankenne.

Nesse mesmo mês, as equipas dos MSF iniciaram uma resposta de emergência contra o surto, com o objetivo de vacinar aproximadamente um milhão e duzentas mil crianças em Katanga. Tudo isto para tentar travar a epidemia e impedir o alastramento da doença mais contagiosa entre crianças ao resto do país.

As equipas dos MSF e as autoridades locais de saúde uniram esforços, nos meses seguintes, para tentar acompanhar o ritmo da epidemia à medida que esta se espalhava de província em província. Viajaram grandes distâncias, passando pelos terrenos mais árduos e pelas áreas menos acessíveis, com vacinas que tinham de ser conservadas a baixas temperaturas sob o calor tropical congolês.

No total, três milhões de crianças foram vacinadas devido à resposta de emergência. Contudo, tal não deteve a epidemia. É frustrante a perda de vidas jovens que podiam ter sido salvas se a rotina de programas de vacinação contra o sarampo e a atualização de campanhas de imunização para proteger as crianças da doença fossem devidamente apoiadas e financiadas.

O problema é que o combate ao sarampo já não é visto como uma prioridade política - pelos ministros da saúde e patrocinadores, que estão a reduzir o financiamento," afirmou Gwenola François, diretora da campanha de vacinação contra o sarampo na RDC. " Uma vacina contra o sarampo, que protege uma criança para o resto da sua vida, custa 70 cêntimos. As organizações como os MSF não podem continuar sempre a apagar os fogos ateados pelas deficiências a longo prazo destes programas de prevenção do sarampo.

[caixa 1]

Só em 2010, os MSF vacinaram mais de quatro milhões e meio de crianças contra o sarampo, em emergências, em países como a República do Chade, o Malawi, a África do Sul, o Iémen e o Zimbábue. Atualmente, os MSF continuam a responder a surtos de sarampo em nove países africanos.

[caixa 2]

O custo de prevenir as epidemias de sarampo:

  • A imunização de uma criança contra o sarampo, para o resto da vida, custa menos de 70 cêntimos.

  • Serão precisos 133 milhões de euros para que, em 2015, se possa atingir o objetivo da "Measles Initiative", que se traduz na redução das mortes causadas pelo sarampo em 95%.

  • A escassez de financiamento: Há um atual défice de financiamento de 27 milhões de euros para se poder atingir este objetivo.

 

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

COMO UMA TAXA SOBRE TRANSAÇÕES FINANCEIRAS PODE AJUDAR NA SAÚDE MUNDIAL

As pessoas retratadas em "5 Vidas" são um testemunho de como a intervenção médica já mudou vidas para melhor; outros, que não tiveram acesso, acabaram por sofrer.

As suas histórias, em conjunto, demonstram que, com mais investimento, muitas mais vidas podiam mudar para ajudar as pessoas a prosperar nas suas famílias e comunidades.

Todavia, para isto ser possível, há que haver seriedade e investimentos sustentáveis a longo-prazo, em futuros verdadeiros. As lacunas de financiamento já estão a ameaçar os benefícios médicos conseguidos ao longo da última década.

Neste momento, há uma tremenda crise de financiamento para a saúde mundial, uma vez que os financiadores governamentais recuam por toda a parte. Os financiamentos do VIH/SIDA, da tuberculose e da malária sofreram um grande impacto. Outras correntes de financiamento também parecem estar bastante precárias.

É altura de elevar a fasquia do financiamento disponível, para que possa ir ao encontro das necessidades mundiais de saúde, no presente e no futuro.

Uma taxa sobre transações financeiras oferece, atualmente, a solução mais promissora; mas é necessário um esforço para nos certificarmos de que uma parte desta nova taxa irá, de facto, para o financiamento da saúde global.

Pode ajudar-nos a concretizar este objetivo ao apoiar esta iniciativa para um compromisso de alocação de fundos que proporcionariam um financiamento suplementar, regular e previsível para a saúde mundial.

Tradução de Daniel Simão e de Sara Baptista