Um governo apoiado pela esquerda não será uma experiência fácil, mas é preciso tentar - Ricardo Paes Mamede

17-10-2015 11:10
Um governo apoiado pela esquerda não será uma experiência fácil, mas é preciso tentar
 
 
A julgar pelas notícias publicadas a propósito dos encontros entre as direcções do PSD/CDS e do PS, os partidos de direita estariam dispostos a abdicar de todo o seu programa para assegurar o apoio do PS a um futuro governo liderado pela coligação PàF. A coligação deixaria cair as suas propostas plafonamento das pensões e do cheque-ensino e passaria a aceitar propostas incluídas no programa do PS como a descida do IVA da restauração, a reversão mais rápida da sobretaxa de IRS e dos cortes de salários da FP, o reforço das prestações sociais, o aumento da progressividade do IRS ou a reposição dos feriados civis. A única condição que parece verdadeiramente relevante para o PSD consiste no cumprimento das regras orçamentais da UE. De resto, o PS sempre se afirmou comprometido com essas regras. Assim, de acordo com as notícias e comentários mais difundidos, um acordo entre o bloco central resultaria, basicamente, num governo de direita a implementar o programa do PS.
 
Mas isto está longe de corresponder à realidade. Note-se que o PSD e CDS deixaram de fora da sua proposta de acordo com o PS – e não terá sido por acaso – a sua intenção de reduzir os impostos sobre as empresas (passando o IRC para 17%) ou as propostas do PS no sentido da criação de um imposto sobre as grandes heranças, do relançamento da contratação colectiva ou do controlo dos contratos a prazo. Ou seja, a direita mostra-se disposta a deixar cair duas ou três medidas simbólicas (por exemplo, o plafonamento) e a acolher propostas com impacto orçamental (por exemplo, a descida do IVA da restauração), mas sempre sujeitas ao limite do défice (o que, na prática, significa que poderiam nunca vir a ser implementadas). No entanto, se regressar ao poder, a direita não abdicará do seu projecto de (sub)desenvolvimento para o país, que passa pela máxima desregulação das relações de laborais, por um lugar mínimo para o Estado enquanto provedor de serviços públicos e por um sistema fiscal que privilegia sempre os interesses dos investidores e credores face a preocupações de  justiça social. A direita no poder usará sempre as margens de manobra que lhe confere o exercício de funções governativas para prosseguir esta agenda.
 
Afastar os partidos de direita do poder é, pois, um imperativo político neste momento. Não é, porém, razão suficiente para justificar um apoio de toda a esquerda parlamentar a um eventual governo liderado pelo PS. No contexto actual não está apenas em causa proteger a Constituição e o modelo de desenvolvimento que nela está inscrito. É preciso combater o desemprego, o subemprego, a precariedade e a pobreza no imediato. Isto passa por proteger o Estado Social e os direitos dos trabalhadores, mas passa também por rejeitar políticas que acentuam a crise social por  travarem o crescimento da economia no curto prazo. 
 
É aqui que sabemos que as coisas se complicam. O PS mantém que é possível parar com a austeridade e “respeitar os compromissos europeus”. Isto só seria possível numa de duas condições: ou com uma melhoria substancial da economia internacional ou com um aligeirar das regras europeias (de outra forma, a cumprimento das metas orçamentais exigirá a adopção de medidas de austeridade). No entanto, todos os sinais apontam para uma forte desaceleração do crescimento económico mundial, que não deixará de afectar as economias europeias, incluindo a portuguesa. Neste cenário, restaria ao PS a possibilidade de alteração das regras europeias para que não entrasse rapidamente em contradição. Se tal alteração de regras não se verificar (e não é óbvio que aconteça, mesmo que de forma disfarçada), o PS teria de regressar às políticas de austeridade ou então incumprir com as regras europeias – em qualquer um dos casos contradizendo o seu programa e colocando-se numa posição política frágil. Por sua vez, caso o PS optasse pelo cumprimento das metas orçamentais, BE e PCP teriam de decidir manter ou não o seu apoio a um governo liderado pelos socialistas – apoiando a austeridade, ou fazendo cair um governo de esquerda. 
 
É fácil? Não. Há riscos? Há e são muitos. Mas a viabilização de um governo apoiado pela esquerda parlamentar é hoje a melhor hipótese que temos para proteger direitos, criar emprego e perspectiva um modelo de desenvolvimento para o país que dê condições para uma vida condigna ao conjunto da população.
 
Ricardo Paes Mamede
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