Um cheque para mim + um cheque para ti = uma escola a menos para vocês - por Margarida Santos

29-11-2013 16:52

Em caso de dúvida sobre o que defende a Esquerda e a Direita para o país, nada melhor que olhar para as propostas que uns e outros têm para o Estado Social, saúde, segurança social e, lá está, educação.

Nuno Crato assumiu funções de ministro da educação e ciência cheio de ideias “refrescantes” para o sector da educação. O paladino do “rigor” e da “autoridade” nas escolas públicas, o rosto mediático da boa parte da crítica feita aos anteriores ministérios, o matemático com reputação de sério, afinal, enganou-nos bem. O Nuno Crato, na verdade, nunca teve uma única ideia para a escola pública nem para o futuro da educação em Portugal.

Nuno Crato assumiu uma pasta ministerial, é certo, mas rapidamente mudou de funções. Apesar de manter o título tutelar – sempre dá prestígio, convenhamos – está na realidade ao serviço de uma elite social, política e económica que apenas se serve do Estado para viabilizar experiências sociais que parecem tão interessantes nos manuais. Sem olhar a meios para as pôr em prática, o professor Nuno Crato tem-nos proporcionado aulas teóricas e práticas do neo-liberalismo mais fanático dos nossos tempos.  

Nuno Crato, logo no início do seu mandato, veio impor o aumento do número de alunos por turma na escola pública. Mas que fundamentação pedagógica apresentou Crato para justificar tal medida? Afinal, onde fora Crato beber informação que legitime turmas de 25, 28, 30 alunos no ensino público? Nuno Crato é demasiado “rigoroso” para acompanhar décadas de estudos e pesquisas feita internacionalmente sobre o assunto. Quais pedagogos, cientistas da educação, sociólogos e outros académicos da área, muito melhor é encomendar estudos aos departamentos de gestão de instituições estrangeiras (pouco conhecidas entre quem estuda estas coisas), porque esses sim explicam bem as razões desse aumento. Ninguém duvida que os critérios da gestão devam ser determinantes na distribuição dos alunos por turma na escola pública.  

A máquina do ministério é muito pesada, dizia, tem de se acabar com as direcções regionais de educação? Hum…mais ou menos. As páginas web destas direcções foram de facto fechadas…mas outras apareceram: direcção geral da educação, direcção geral dos estabelecimentos escolares, direcção geral da administração escolar, direcção geral de estatísticas da educação e ciência, direcção-geral de planeamento e gestão financeira…enfim, toda uma orgânica a trabalhar para desmantelar o serviço público de educação.

Acabar com a Parque Escolar, E.P.E.? Nem por isso, pelo contrário, a empresa ganhou surpreendentemente (!) peso orgânico, vejamos: presidente e 2 vogais, uma secretaria-geral, uma direcção de recursos humanos, uma auditoria interna, uma direcção de planeamento e apoio à gestão, uma direcção geral administrativa e financeira, uma direcção geral de contratos, uma direcção geral de operações, as delegação norte e sul…que outras delegações e de que tipo de funções nos esperam na PE? Para rematar, mais 75 escolas públicas entraram no património da Parque Escolar.

Uma leitura da despesa consolidada para as diferentes áreas de intervenção do ministério da educação e ciência, tutelado por este criativo da educação que é o nosso ministro, só permite a triste e revoltante constatação de que a escola pública, a escola da igualdade de oportunidades, a escola da mobilidade social, a escola feita pela comunidade para a comunidade…essa, acabou.

Num tempo em que até a palavra liberdade se permite que seja usurpada, o livre acesso à escola pública, apenas possível graças ao papel do Estado na criação das condições de igualdade que permitam às famílias pôr as suas crianças na escola da sua área de residência, aparece como um valor menosprezável.

Importante agora é garantir todas as condições para que o cheque-ensino funcione. Finalmente, o grande sonho da direita liberal chega a Portugal. Que contente que Crato deve estar em poder ser o rosto de tamanha transformação na educação no nosso país. Afinal, ficará para a história e isso é que conta. Se atrás de si deixa um lastro de esvaziamento dos estabelecimentos públicos de ensino em benefício dos famigerados colégios financiados pelo Estado – muitas vezes na sua totalidade – não lhe interessa. Se deixa um lastro de negócios florescente na educação, misturados com autarcas que decidem em causa própria porque também têm o seu negóciosinho de educação, não o preocupa. Se distribui lugares por amigos, e até mais que amigos, sem currículo para as funções, é coisa que não lhe tira o sono. Se deixa um lastro de desemprego massivo na classe docente, até o deixa orgulhoso, afinal foi além da troika, é um excelente aluno. Se deixa um lastro de aumento do abandono escolar, de retrocesso na educação e formação dos portugueses, de recuo nos valores mais elementares da democracia, provavelmente nem compreende, é realidade que não lhe diz respeito, ele está no campeonato da privatização desenfreada dos serviços públicos e de desmantelamento do estado social…de facto, nada que ver com isto da democracia.

Quanto aos números do orçamento para 2014, é só recessão sobre recessão: no orçamento para 2012 Crato inaugurava-se com um corte de 23.2% no ensino básico e secundário, de 20.6% na ciência e tecnologia, de 9.8% no ensino superior. No orçamento para 2013 Crato cortava 6.7% no ensino básico e secundário e cortava 7.1% no ensino superior. No orçamento para 2014, Crato propõe-se a cortar 7.6% no primeiro e 4.1 no ensino superior. Deve ser daqui que virá o financiamento do Estado aos cheques-ensino. Curiosamente, ou não, Nuno Crato prevê ainda transferir para o Ensino Particular e Cooperativo durante o ano de 2014 40 milhões de euros, mais 2 milhões em relação ao estimado no ano anterior. Um plano bem traçado e a ser cumprido escrupulosamente, ainda que sem escrúpulos.

A educação vai finalmente entrar “em mercado”. Se formos empreendedores, até conseguimos cotá-la em bolsa, é só um empurrãozinho, vá. 

Margarida Santos, investigadora

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