Outros caminhos para os transportes colectivos - Sérgio Manso Pinheiro

07-03-2012 23:45

Num ano, as tarifas dos transportes colectivos aumentaram em Lisboa: 4,4% em Janeiro 2011, 15% em Agosto 2011 e 5% em Fevereiro2012. Estes sucessivos aumentos dos custos dos transportes colectivos, o anúncio da redução da prestação desses mesmos serviços e a imputação às empresas públicas deste sector de uma elevada responsabilidade na dívida pública nacional (associada à argumentação do despesismo, ingovernabilidade, privatização, despedimentos, …) requerem o robustecimento e desconstrução argumentativas e novas reflexões e respostas.

Transportes públicos: “qual o melhor caminho?”

Num ano, as tarifas dos transportes colectivos aumentaram em Lisboa: 4,4% em Janeiro 2011, 15% em Agosto 2011 e 5% em Fevereiro de 2012.

Estes sucessivos aumentos dos custos dos transportes colectivos, o anúncio da redução da prestação desses mesmos serviços e a imputação às empresas públicas deste sector de uma elevada responsabilidade na dívida pública nacional (associada à argumentação do despesismo, ingovernabilidade, privatização, despedimentos, …) requerem o robustecimento e desconstrução argumentativas e novas reflexões e respostas.

76% dos prejuízos destas empresas em 2010 resultaram do pagamento de juros da dívida (só nesse ano: 712M€). Sobre o diagnóstico, caracterização e algumas soluções técnico-financeiras, sugere-se a consulta de 3 posts síntese do Frederico Pinheiro no site da ATTAC:

15 factos sobre transportes públicos
A insustentabilidade da dívida das empresas de transportes públicos
Nove alternativas ao aumento dos transportes públicos

Apenas um parágrafo mais sobre a dívida do sector dos transportes. É que ao contrário dos outros – educação, justiça, saúde (embora aqui as recentes Parcerias Público Privadas já estejam a torná-las similares) – nos transportes, os Governos transferiram para estas empresas os custos das infra-estruturas (e dos juros para o seu financiamento). Há muitos outros factores, como a não contratualização das obrigações de serviço público e definição dos respectivos custos, mas este será dos que maior impacto terá.

Bifurcação de caminhos

A dimensão e complexidade indisfarçáveis do problema impõe que assumamos que chegou a hora da separação de caminhos, e é nessa reflexão política que se coloca este texto. A procura de soluções implica não só a ruptura com a lógica estritamente financeira (da governação), mas também em relação às abordagens sindical e da esquerda.

Importa relembrar as razões intrínsecas para a indispensabilidade dos transportes públicos: a mobilidade é, em primeiro lugar, uma condição para a liberdade. Mas é também, simultaneamente, do ponto de vista dos Estados democráticos, factor de igualdade de oportunidades dos cidadãos na acessibilidade aos direitos consagrados, sejam eles de natureza social ou colectiva (saúde, educação, justiça, emprego, etc). É igualmente uma condição fundamental para a competitividade socio-económica dos territórios.

Estas razões têm que ser premissas para a definição das opções políticas, económico-financeiras e sociais. A serem-no (a dignidade humana, os valores civilizacionais e os benefícios para a sociedade no seu conjunto), eliminamos desde já a propagada tese do «utilizador-pagador» (que neste sector corresponde a que o tarifário deve cobrir os custos dos serviços de transportes), que chegou a ser defendida pela Secretária de Estados dos Transportes, Ana Paulo Vitorino (PS).

A dimensão e relevância sociais dos transportes colectivos (TC) pode ser ilustrada pela proposta do professor de transportes José Manuel Viegas, que chegou a ser um putativo Secretário de Estado dos Transportes para o actual governo (PSD/CDS-PP), defendida há já alguns anos de que os desempregados, para além do subsídio de desemprego tivessem direito ao passe – precisamente porque devem ter a maior mobilidade possível, porque não devem ficar impedidos de procurar trabalho, etc. Esta é, parece, uma proposta que a esquerda deveria apadrinhar… e que nega a lógica simplista da subida do tarifário dos TC.

Mas a rejeição dos aumentos tarifários tem que ser sustentada tecnicamente e tem que merecer soluções alternativas, e estas, obrigam a uma mudança profunda de atitude da esquerda.

Tecnicamente, sem delongas que não é o objecto deste texto, os custos dos TC Regulares são praticamente os mesmos, levem 1 ou 50 passageiros, pelo que a política tarifária deveria promover a sua utilização. Acresce que quando os custos percepcionados – não incluem as reais despesas do veículo, como o seguro, a desvalorização e manutenção do veículo, etc – do transporte individual (TI) forem semelhantes aos do TC (custo do bilhete), a escolha tenderá a recair para o TI, com prejuízo para o TC e para a sociedade (congestionamento, impactos ambientais e energéticos, sinistralidade, saúde pública, etc).

Aliás, a Carris já anunciou estimativas de redução de 5 a 6% de passageiros, para 2012, em resultado do aumento tarifário. E esta redução ocorre em período de crise económica e com aumento dos custos dos combustíveis…

À espera do comboio na paragem do autocarro

Mas duas mudanças à esquerda são fundamentais: o fim da sobrevalorização da perspectiva obreirista e de uma lógica estrita de oposição.

Requerendo outro tempo e profundidade, explicitar apenas os princípios:

  1. O sector dos transportes tem sido à esquerda deixado no essencial à discussão das reivindicações laborais, com prejuízo para a reestruturação do sector. A defesa dos postos de trabalho (que é correcto) motivou sempre a oposição à fusão de empresas de transportes e a concordância com a criação de novas. Se no imediato, pode ter sido proveitoso, o desmembramento e desarticulação tornou o Sector Empresarial o Estado mais frágil, muitas vezes prejudicial para os cidadãos e utentes (com custos tarifários maiores e piores e desarticulados serviços) e hoje mais vulnerável às políticas de privatização.
  2. A postura conservadora da esquerda, de defesa do que está, não é mais sustentável (para além de contraditória com a ambição transformadora e da sua urgência). Não possível continuar a ter como resposta a simples defesa do que existe, ou se quisermos adoptar um paralelismo simplista: a defesa das conquistas… Jogar à defesa é, há muito, uma derrota anunciada e inevitável.


Atenuante desta postura defensiva é, apenas, a conhecida batota dos governos que nunca dizem efectivamente o que pretendem. Anunciam só a etapa intermédia: “vamos substituir o comboio pelo autocarro porque custa menos”, para logo na primeira oportunidade acabarem pura a simplesmente com o serviço de TC.

Ainda assim, a resposta tem que ser de procura e apresentação de alternativas. Há já muitas experiências em que, através da reorganização e afectação de meios, é possível melhorar os serviços de transporte reduzindo os seus custos. Em que o recurso a novas tecnologias e tipos de veículos viabilizam transportes onde hoje não existem (em locais ou a determinadas horas), comprometendo os princípios enunciados da promoção da mobilidade e acessibilidade.

Um exemplo para ilustrar a passividade de quem aceitou ser apenas oposição: a legislação que regula (as concessões de) transporte público rodoviário (Regulamento de Transportes em Automóvel) – é de 1948!!! Há alternativas e elas têm que ser apresentadas.

O tempo é, há muito, de exercício do poder e/ou de apresentação de propostas e soluções. Transformadoras. Corajosas. De abandono da postura defensiva. Há que inverter os papéis: passar da resposta à política dos outros para a de proposição, demonstrando que há alternativas e obrigando os outros a provarem que as deles são melhores e mais eficientes. A minha convicção é de que os outros perderão e de que os cidadãos e a sociedade ganharão.

Sérgio Manso Pinheiro, membro da direcção da ATTAC Portugal

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