O que deveria ter sido feito no Chipre? - Frederico Pinheiro

16-04-2013 18:09

 

Após a histeria coletiva em torno da situação económica e financeira de Chipre, chegou o momento de elaborarmos uma breve reflexão e retirarmos as devidas conclusões. Chipre não é um caso isolado. Devem ser efetuadas alterações estruturais no sistema.

O caso cipriota demonstra que as instituições europeias e internacionais são infinitamente criativas quando é necessário encontrar medidas para salvar o sistema financeiro. Mas a falha está a montante: desde 2007/2008 são prometidas medidas para controlar o instinto predatório do sistema financeiro, mas nenhuma medida de fundo foi tomada até ao momento. A falência do sistema financeiro cipriota demonstra claramente que os cidadãos continuam vulneravelmente expostos a novas crises financeiras.

Vejamos o caso cipriota, produto de um sistema capitalista desenfreado e completamente descontrolado. A financeirização da economia, defendida pelos ideólogos neoliberais e suportada por políticos como Thatcher e Reagan e seus delfins contemporâneos, levou à destruição de um modelo de desenvolvimento económico cujo objetivo final era o bem-estar dos cidadãos. Este modelo deu lugar a um sistema capitalista promotor e dinamizador da desregulação financeira. A liberdade do capital é um bem supremo e o lucro um fim em si mesmo. Porquê? Pois, se o capital deseja ter liberdade, então é porque o mercado assim o quer. E se o mercado defende a liberdade do capital, então é porque é o melhor para todos. Estamos perante uma ideologia que vê no capital e nos mercados o seu Deus ex machina.

O sistema financeiro tem, atualmente, todas as liberdades que deseja e nenhum Governo, apesar das vãs promessas, ousou colocar-lhes termo. Esta arquitetura deu origem a economias como a cipriota, onde o sistema financeiro equivalia a sete vezes a riqueza anualmente produzida no país. Na Europa, apenas no Luxemburgo, Malta e Irlanda a discrepância é maior – Portugal é o nono da tabela, com um sistema financeiro quatro vezes maior do que a economia real.

A hiperfinanceirização da economia cipriota escondia casos como o dinheiro desviado pelo criminoso de guerra jugoslavo Milosevic que escolheu Chipre para desviar cerca de 800 milhões de euros. Estamos perante um dos paraísos fiscais mais importantes do Mundo, utilizado para lavar dinheiro das oligarquias russas e de todo o tipo de máfias europeias e internacionais. Mas o discurso moralizador dos líderes europeus cai por terra: a maioria do dinheiro dos oligarcas russos não está em Nicósia, mas antes em Londres e na sua City, verdadeira lavandaria, onde se lava mais branco do que em qualquer outro lugar na Europa.

Instituições tão díspares como ONG’s como a Finance Watch, movimentos como a ATTAC ou as norte-americanas CIA e Forbes alertaram, inúmeras vezes, para o facto de Chipre ser um local onde é branqueado dinheiro da prostituição forçada, do tráfico de mulheres, do tráfico de drogas, entre outras atividades criminosas com escala mundial. A União Europeia, Portugal incluído, viu neste país uma oportunidade e abraçou a entrada no seu seio, aprofundando esta parceria com a inclusão no Euro, em 2008.

Chipre, para além de paraíso fiscal, era um paraíso do capitalismo. A fiscalidade foi reduzida a mínimos. O chamado caminho para o fundo: quanto mais baixarmos as taxas, maior será a capacidade para atrairmos capitais e investimento, tendo tal estratégia efeitos positivos na criação de emprego e na geração de riqueza. É exatamente isto que o Governo português, através da comissão presidida por António Lobo Xavier, o lobo a guardar o galinheiro, pretende fazer em Portugal. Nada mais errado.

Por tudo isto, Chipre é um exemplo claro do descontrolo nos movimentos de capitais, de opacidade e um verdadeiro antro de capitais especulativos, utilizados tanto para financiar atividades criminosas como para comprar o lixo tóxico do subprime.

O resultado é desastroso: quando a bolha especulativa rebentou – inevitavelmente, rebenta sempre – devido aos prejuízos registados pelo Laiki e pelo Banco do Chipre, de um dia para o outro desapareceram sete mil milhões de euros, o equivalente a 40% do PIB. Eclipsou-se. O modelo de desenvolvimento assente na banca e na finança só produz especulação, nunca riqueza para os cidadãos.

Nos últimos cinco anos os governantes a nível mundial prometeram controlar os bancos, subordinarem-nos à vontade popular. De Obama a Sarkozy/Hollande, do G8 ao G20, passando pela União Europeia, todos prometeram o mesmo. Em cinco anos, nada foi feito. A lista de bancos intervencionados e ajudados pelos cidadãos devido ao seu descontrolo total é interminável. Todos os países europeus têm os seus exemplos. Em Portugal, o BPN já custou 4 mil milhões de euros e a fatura pode chegar aos sete mil milhões. Por outro lado, foram injetados 5,6 mil milhões de euros nos bancos privados e mais 16,5 mil milhões de euros em garantias.

Passaram cinco anos desde o início da crise financeira e nada foi feito para evitar novos casos, que se sucedem… No entanto, quando foram necessárias soluções para apagar o fogo ateado pelos banqueiros, as instituições europeias foram céleres. Depois de o Banco Central Europeu ameaçar cortar o financiamento aos bancos cipriotas, em menos de três dias foram encontradas inúmeras soluções: taxar os depósitos acima de 100 mil euros, aumentar os impostos sobre as empresas, avançar com privatizações, cortar nos apoios sociais. No fundo, a mesma receita aplicada na Europa do Sul, com algumas inovações, nomeadamente ao nível da taxação dos depósitos. Pelo caminho, destruíram a confiança nas instituições financeiras da ilha e ameaçaram acabar com a parca confiança mundial na zona Euro. Os líderes europeus perderam-se com uma economia que representa apenas 0,2% da economia europeia.

Para além disso, o Chipre perdeu todas as vantagens, de acordo com os critérios neoliberais, de estar na Zona Euro: deixou de ter acesso aos mercados financeiros e foi obrigado a impor o controlo de capitais. No fundo, o Chipre tem uma moeda apenas com a mesma taxa cambial do Euro, pois grande parte da sua arquitetura foi alterada.

A austeridade aplicada num país com uma taxa de desemprego de 14% terá os seguintes efeitos: aumento do desemprego, da pobreza e da precariedade, transferência de poder do trabalho para o capital, submissão dos cidadãos a uma dívida impagável e retração da riqueza produzida no país. O Chipre irá perder, até 2015, 20% da riqueza gerada anualmente. Pelo menos… Não sou nenhum vidente, mas a verdade é que esta receita foi aplicada na Grécia, em Portugal, na Irlanda, Itália, Espanha e os resultados são os conhecidos.

Então, quais deveriam ser as medidas adotadas? Quais as alternativas?

As medidas de política pública a serem aplicadas no Chipre deveriam ser replicadas em toda a União Europeia. Pois o Chipre não é um caso isolado, já muitos Chipre’s rebentaram e muitos outros estão à porta:

- Os Estados devem colocar limites ao tamanho dos bancos. Os bancos demasiado grandes para falir, que obrigam a intervenções públicas gigantescas, devem desaparecer. São verdadeiras bombas-relógio nas mãos dos cidadãos.

- A banca comercial deve ser separada da banca de investimento, uma medida equivalente à aplicada nos EUA pós-1929.. Esta medida irá garantir que os capitais alocados na banca comercial estão protegidos, ao mesmo tempo que retira uma quantidade gigantesca de recursos à banca de investimento, que os utiliza para especular.

- Os paraísos fiscais devem desaparecer. Na Europa, há muito por onde começar, de acordo com o FMI, OCDE e Tax Justice Network: Reino Unido, Bélgica, Áustria, Suíça, São Marino, Holanda, Chipre, Luxemburgo, Malta, Irlanda, Andorra, Hungria, Mónaco, Liechtenstein e até Portugal (Madeira). Nos paraísos fiscais está escondido 15% da riqueza mundial, detida por 0,14% da população, ou dez milhões de pessoas. Por exemplo, se essas pessoas fossem a população portuguesa, o nosso PIB seria 2000 vezes superior. O fim dos paraísos fiscais é um passo essencial e determinante no combate à fuga ao fisco, na sustentabilidade dos Estados e no combate à criminalidade.

- A introdução de mecanismos que dificultem as transações financeiras é essencial, de modo a colocar atrito nos movimentos especulativos. A introdução de uma taxa sobre as transações financeiras, bandeira da ATTAC, é um instrumento básico e que recolhe apoios em diversos setores da sociedade, que deve ser introduzido já.

- Os mercados especulativos como o monetário, de CDSs e mesmo de obrigações do tesouro (secundário) devem ser controlados. Por exemplo, em apenas seis dias são efetuadas transações monetárias equivalentes ao comércio mundial num ano.Nos restantes dias espcula-se, atacam-se moedas, destroem-se economias.

- É imprescindível a existência de um prestamista de último recurso, que evite a dependência de um país dos mercados financeiros, acabando assim com os ataques especulativos que empurraram Portugal e o Chipre para as mãos da troika.

- Antes dos depositantes, os acionistas das instituições financeiras, os detentores de obrigações e os agentes no mercado interbancário devem ser os primeiros a assumirem perdas. São estes os verdadeiros responsáveis, que alimentam, incentivam e ganham com os comportamentos de risco dos bancos.

Frederico Pinheiro, membro da direção da ATTAC Portugal

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