E o povo, pá?

25-04-2014 23:49

Sim, é verdade, temos uma permanente dívida de gratidão para com os militares que se levantaram do chão no 25 de Abril de 1974 e que tomaram a iniciativa de derrubar uma ditadura de 48 anos e de pôr fim à guerra colonial. O Largo do Carmo cheio hoje de manhã, ao apelo da Associação 25 de Abril, homenageando Salgueiro Maia e todos os militares de Abril, foi a merecida resposta popular aos que os quiseram remeter para uma inofensiva galeria no 40º aniversário da revolução.

Mais espantoso (ou sinal dos tempos) é todavia o esquecimento generalizado de que o levantamento militar só teve sucesso porque foi logo apoiado por um poderoso levantamento popular que no Largo do Carmo e de Norte a Sul de Portugal, recusou ficar em casa, soltou amarras, quebrou barreiras, tomou as ruas, correu com o poder fascista e converteu o que poderia ser um golpe militar de incerto futuro numa revolução libertadora.

Foi esta aliança entre o povo e o MFA, pelos vistos memória incómoda e causa de urticária para alguns, que esteve na origem da mais notável, original e criativa revolução europeia da segunda metade do século XX. Que foi muito mais do que a "transição" por alguns desejada.

Olha-se para a imprensa de hoje, e é dominante o esforço de ignorar (ou excluir) das análises e testemunhos os obreiros do activismo cidadão, sindical e social que impulsionou o levantamento popular e o processo transformador e participativo que se seguiu. De facto, a direita que no poder vem ajustando contas com  esse "dia inicial inteiro e limpo", bem gostaria que ele se tivesse resumido a uma conveniente "transição". E que há de mais conveniente para garantir o seu futuro do que reduzir o 25 de Abril a um golpe militar e apagar o movimento e o levantamento popular que pariu a maior manifestação de sempre em Portugal, o 1º Maio de 1974?

Tem por isso razão Jerónimo de Sousa quando hoje lembrou, na sua intervenção na sessão solene do parlamento que "sem iniciativa popular o movimento militar não venceria tal como o movimento popular sozinho não teria êxito". 

A celebração popular nas ruas dos 40 anos da revolução fica então como o testemunho e a vontade de muitos de que não será apagada a memória verdadeira e completa desse "dia inicial inteiro e limpo". Memória que é alicerce para conquistarmos um amanhã que seja também "inteiro e limpo".

Henrique Sousa, membro dos Corpos Sociais da ATTAC

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