Bomba-relógio financeira - Frederico Pinheiro

30-10-2011 21:31

Os comportamentos de risco da banca colocam no fio da navalha o bem-estar de milhões de pessoas. Os contribuintes devem garantir que o sistema financeiro está ao serviço da população, e não o contrário.

O sistema financeiro português enfrenta, mais uma vez, sérias dificuldades de liquidez. Podemos, de uma forma sintética, encontrar as suas raízes em três factores:

- Na aposta em activos tóxicos como o subprime, que descapitalizou de forma brutal os bancos. A falência do Banco Português de Negócios é o caso mais marcante.

- Na estratégia de pressão contínua sobre os Estados, de modo a obter taxas de rentabilidade maiores na compra de títulos de dívida pública. Contudo, o feitiço virou-se contra o feiticeiro. Caso Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda ou Itália efectuem uma reestruturação da dívida, as finanças dos bancos portugueses, essencialmente do BES, BPI, BCP e CGD, afundam-se.

- A ganância desmesurada levou os maiores bancos a concederem créditos de risco, para os quais não pediram garantias adequadas. Por exemplo, Joe Berardo obteve mil milhões de euros em empréstimos para comprar acções do BCP. Como colateral, deu apenas as acções (valem agora 7% do valor de compra) e uma colecção de arte avaliada em cerca de 300 milhões de euros, um activo que muito dificilmente os bancos conseguirão transformar em liquidez num curto espaço de tempo.

Por isso, a banca, que sempre atacou o poder público, chamou o Estado-bombeiro. Com os mercados de financiamento fechados, esta era a única solução. O salvador de último recurso – que nestas situações se torna o primeiro – disponibilizou 36 mil milhões de euros em garantias e mais 12 mil milhões para injectar liquidez nos bancos.

Deste montante, os bancos utilizaram em 2011 seis mil milhões de euros em garantias, aos quais acrescem ainda cerca de três mil milhões de exposição ao BPN e ao BPP.

Um facto: a saúde dos bancos nacionais é extremamente volátil. As garantias dadas pelo Estado são uma bomba-relógio: a qualquer momento explodem nas nossas mãos. Dois mil milhões do BPN e do BPP já rebentaram nas mãos dos contribuintes, o equivalente a um ano de subsídios de desemprego.

Segundo a economia mainstream, o nascimento e o encerramento de empresas é um movimento natural do capitalismo. Esta regra supostamente universal, apenas tem uma excepção: a banca.

O Estado não deve garantir a solidez da banca? Claro que deve. A falência de um banco como o BCP ou o BES teria impactos profundíssimos na nossa economia.

Por isso mesmo é que o Estado não pode estar sujeito a estes comportamentos de risco. O comportamento natural da banca é a busca incessante do lucro. Este é o chamariz dos capitalistas e por isso não hesitam em correr riscos.

Os casos recentes de corrupção no BCP, BPN e BPP não deixam espaço para dúvidas.

Mas o Estado, todo um povo, não pode estar refém destes comportamentos de risco. Assim, é essencial que o sistema financeiro seja dominado pelo Estado, esteja nas mãos dos contribuintes.

Esta solução é igualmente importante para garantirmos que os capitais públicos colocados nos bancos são utilizados em prol do crescimento da economia. Um sistema bancário nas mãos da população e escrutinado detalhadamente é o único que pode garantir a banca está ao serviço da população, e não o contrário.

Porque o Estado não é um bombeiro e porque a vida e o bem-estar de milhões de pessoas não pode depender das decisões de vinte administradores.

Frederico Pinheiro, membro da direcção da ATTAC Portugal

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