"Reformar não é fazer cortes". Texto de Henrique Sousa para o tema da Protecção Social da Conferência “Governar à Esquerda”

30-09-2014 20:12

Reproduzimos a breve reflexão sobre a Segurança Social e o seu futuro, texto do Henrique Sousa, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ATTAC, que constitui o seu contributo enviado para o debate preparatório da Conferência “Governar à Esquerda” que o CDA (Congresso Democrático das Alternativas) vai realizar no próximo sábado, 4 Outurbro, 10 horas, no Auditório do Liceu Camões, em Lisboa.

"Um sistema de segurança social público alicerçado nos princípios de solidariedade, universalidade e estreita relação com o trabalho, no reconhecimento dos direitos sociais como direitos fundamentais e na redução da desigualdade e da pobreza, na protecção do princípio da confiança, na combinação de um regime previdencial fundado na contribuição sobre os rendimentos do trabalho com um regime de protecção social de cidadania, não é compatível com a política de austeridade ultraliberal do actual Governo e da União Europeia. Implica a assunção de escolhas estratégicas quanto à sociedade que queremos construir e em que queremos viver. Escolhas políticas. Com consequências na definição das prioridades, das políticas públicas e da distribuição de recursos escassos.

Ao contrário, as teses que já circulam avançadas pelos “intelectuais orgânicos” da área do Governo apontam para a constituição de um novo sistema de segurança social que acabe com o princípio da protecção da confiança e corte direitos dos actuais reformados; elimine o regime de repartição com benefícios definidos, em favor de lógicas de individualização e capitalização; aplique o regime de plafonamento no sistema previdencial; reduza o papel do Estado no sistema de protecção social em favor de um assistencialismo a cargo de instituições privadas com financiamento público. Tudo em nome da crise, das orientações europeias e da insustentabilidade financeira do actual modelo. E sem sequer avançarem a prova da sua sustentabilidade e as contas que as fundamentam.

 O futuro da segurança social e as escolhas a fazer deve constituir um elemento central no debate programático das alternativas políticas à actual governação. Com o aproximar das eleições legislativas, os cidadãos e forças políticas, sociais e sindicais que rejeitam a visão austeritária vigente têm neste período uma oportunidade, a não perder, para somar à necessária resistência à iniquidade social desta governação a discussão pública das propostas que assegurem a sustentabilidade do nosso sistema de protecção social, na perspectiva do seu desenvolvimento e aperfeiçoamento e fazendo a crítica consistente às teses da direita. Reconhecendo as pensões e o conjunto das prestações sociais como factor de coesão social e de dinamismo económico e não como fardo insuportável a alijar.

Isso exige ir ao debate sobre os constrangimentos financeiros, económicos, sociais e demográficos e sobre as soluções para assegurar a estabilidade do sistema, reduzindo a incerteza e protegendo a confiança. Analisar o financiamento do regime previdencial, mantendo como base a tributação autónoma dos rendimentos do trabalho, mas estudando medidas que alarguem a base contributiva e programas mais eficazes de combate à fraude e evasão. Encontrar soluções que respondam à desconfiança das novas gerações de trabalho precário e “independente” para com a segurança social. Reforçar os mecanismos redistributivos na gestão das prestações sociais e dignificar a utilização da condição de recursos como instrumento de satisfação responsável de direitos sociais legítimos e não como garrote burocrático e repressivo para cortar despesa social. Desenvolver o processo de convergência e unificação dos sistemas públicos de pensões, com protecção dos direitos constituídos e do regime de repartição com benefícios definidos. Concretizar mais eficazmente o princípio constitucional, hoje desvalorizado, da participação das organizações de trabalhadores e demais beneficiários na organização e direcção do sistema. 

Reformar não é fazer cortes. É melhorar a sustentabilidade do sistema na sua tripla dimensão económica, social e política e sempre assegurando a sua conformidade com o quadro constitucional. Construindo nesse processo os acordos políticos e sociais alargados que garantam a estabilidade e a confiança num sistema essencial à qualidade da democracia e à coesão social. Com uma condição prévia: dados e contas transparentes, públicos, acessíveis, fiáveis e auditados. Esta condição está por cumprir."

 

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